domingo, 17 de outubro de 2010

Garagem

Cigarro numa mão, cachorro no colo.
- Fubá, você tá muito magro, isso não é normal.
...

- Tá com medo do quê, Fubs? Tá com medo do quê?
Silêncio. Rabo entre as pernas.

- É, eu também não sei responder essa pergunta.

E o corpo ainda formigando.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

O Adeus

No oitavo dia sentimos que tudo conspirava contra nós. Que importa a uma grande cidade que haja um apartamento fechado em alguns de seus milhares de edifícios; que importa que lá dentro não haja ninguém, ou que um homem e uma mulher ali estejam, pálidos, se movendo na penumbra como dentro de um sonho?
Entretanto a cidade, que durante uns dois ou três dias parecia nos haver esquecido, voltava subitamente a atacar. O telefone tocava, batia dez, quinze vezes, calava-se alguns minutos, voltava a chamar; e assim três, quatro vezes sucessivas.
Alguém vinha e apertava a campainha; esperava; apertava outra vez; experimentava a maçaneta da porta; batia com os nós dos dedos, cada vez mais forte, como se tivesse certeza de que havia alguém lá dentro. Ficávamos quietos, abraçados, até que o desconhecido se afastasse, voltasse para a rua, para a sua vida, nos deixasse em nossa felicidade que fluía num encantamento constante.
Eu sentia dentro de mim, doce, essa espécie de saturação boa, como um veneno que tonteia, como se meus cabelos já tivessem o cheiro de seus cabelos, se o cheiro de sua pele tivesse entrado na minha. Nossos corpos tinham chegado a um entendimento que era além do amor, eles tendiam a se parecer no mesmo repetido jogo lânguido, e uma vez que, sentado, de frente para a janela por onde se filtrava um eco pálido de luz, eu a contemplava tão pura e nua, ela disse: "Meu Deus, seus olhos estão esverdeando".
Nossas palavras baixas eram murmuradas pela mesma voz, nossos gestos eram parecidos e integrados, como se o amor fosse um longo ensaio para que um movimento chamasse outro: inconscientemente compúnhamos esse jogo de um ritmo imperceptível, como um lento bailado.
Mas naquela manhã ela se sentiu tonta, e senti também minha fraqueza; resolvi sair, era preciso dar uma escapada para obter víveres; vesti-me lentamente, calcei os sapatos como quem faz algo de estranho; que horas seriam?
Quando cheguei à rua e olhei, com um vago temor, um sol extraordinariamente claro me bateu nos olhos, na cara, desceu pela minha roupa, senti vagamente que aquecia meus sapatos. Fiquei um instante parado, encostado à parede, olhando aquele movimento sem sentido, aquelas pessoas e veículos irreais que se cruzavam; tive uma tonteira, e uma sensação dolorosa no estômago.
Havia um grande caminhão vendendo uvas, pequenas uvas escuras; comprei cinco quilos. O homem fez um grande embrulho de jornal; voltei, carregando aquele embrulho de encontro ao peito, como se fosse a minha salvação.
E levei dois, três minutos, na sala de janelas absurdamente abertas, diante de um desconhecido, para compreender que o milagre acabara; alguém viera e batera à porta, e ela abrira pensando que fosse eu, e então já havia também o carteiro querendo o recibo de uma carta registrada, e quando o telefone bateu foi preciso atender, e nosso mundo foi invadido, atravessado, desfeito, perdido para sempre - senti que ela me disse isso num instante, num olhar entretanto lento (achei seus olhos muito claros, há muito tempo não os via assim, em plena luz), um olhar de apelo e de tristeza onde entretanto ainda havia uma inútil, resignada esperança.




Rubem Braga

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Às vezes rola um vazio tão grande que parece que eu tenho que me virar do avesso literalmente pra ter certeza de que estou viva.
Mas vou dormir; amanhã é sexta e eu quero sol.

domingo, 1 de agosto de 2010


The things you can't understand hurt the most. Lots and lots of cheese and watermelon for you, Be. s2

domingo, 27 de junho de 2010

Desculpem-me, meus amores mais queridos, se pareço fria. Eu disse, nada me soa real quando acordo. Tudo é sonho ou algo que outra pessoa fez. Estou aparentemente vendo de fora aquilo que mais me diz respeito.
Minhas melhores palavras foram em vão. Sou agora mais uma iletrada nesse mundo indecifrável.

E que alguém diga "Bebam até morrer, falem merda e sorriam. Tudo dará certo."

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Eu cubro os ouvidos esperando que tudo se torne silêncio, o trânsito, os passos, a saudade do que nunca tive. Eu cubro os ouvidos tentando calar minha própria voz, minha própria vida.
Mas continuo ouvindo um zumbido, aquele que me faz perder o equilíbrio.
Só posso esperar agora pelo efeito do comprimido da felicidade. (...)

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Pagando a conta do analista.

Ficou sufocante pensar em mim. Há semanas ela tentava e perguntava e cutucava. E eu nunca dizia nada. Não por teimosia, mas por incapacidade.
E hoje eu desisti. Não sei se definitivamente, mas desisti. Inventei desculpas menos doloridas, mas tenho consciência de que estou fechada para tudo e para todos. Tudo que me aconteceu no último ano, pouco mais, foi um golpe muito forte. Tentei esquecer, empurrar pra baixo do tapete, mas esse calombo no meio da sala continua muito perceptível.
O que posso fazer se perdi minha esperança, minha confiança nas pessoas e no que elas sentem (ou podem sentir, ou dizem sentir)? Não tenho confiança no amor. E como isso me dói...
Não posso dar nada de mim. E cheguei a um ponto em que fingir já não é possível.

Tenho medo agora de estar colocando todas as minhas chances de sobrevivência num futuro que, se realmente acontecer, pode estar longe do que eu imaginava. Ou, pior ainda, num futuro que eu talvez não consiga alcançar. E aí, eu não sei se serei capaz de levantar a cabeça.
Mas talvez seja mais saudável esperar para ver. Deitar e esperar que tudo pareça um pouco menos cinza.